Considerações preliminares de Eugene Canseliet sobre a Alquimia - Alquimia Operativa

Alquimia

Considerações preliminares de Eugene Canseliet sobre a Alquimia

Daniél Fidélis ::
Escrito por Daniél Fidélis :: em 29/06/2016
Considerações preliminares de Eugene Canseliet sobre a Alquimia
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O presente artigo é uma tradução de um capítulo introdutório da obra: “A Alquimia explicada sobre os seus textos clássicos”, de Eugene Canseliet (1899-1981), discípulo de Fulcanelli. Foi publicada, originalmente, em Francês. Trata-se de um texto denso, repleto de passagens complexas. Portanto, Estude-o com calma, a fim de melhor absorver o seu conteúdo. Se você conhece o texto original, domina o idioma e detecte possíveis erros em nossa tradução, não exite em entrar em contato. Tenha uma excelente leitura!

Explicar a alquimia é, sobretudo, propor ao neófito elementos (tomando o termo em sentido figurado) de apreço alentado e seguro. Certamente, os comentaristas modernos se multiplicam. Que benefício substancial é possível alcançar a partir deles, uma vez que não manipulam ferramentas e materiais? Consequentemente, eles se mostram incapazes de elucidar a passagem sábia ou a cena iconográfica que utilizam sem convencer, e na maioria das vezes sem razão.

Em alquimia, nenhum autor faz um trabalho mais prejudicial do que aquele que disserta sobre operações que nunca executou, nem mesmo a mais elementar. Para ele, muitas vezes, os textos são simbólicos e de alcance apenas intelectual, incluindo aqueles que se mostram como os mais significativos, em termos de terminologia sem equívocos sobre a prática no forno. Sim, é agora o momento de nos vir à mente a citação pertinente que o pintor holandês Jacques Appel, tão apaixonado pelo humor e pelo latim, assim como tão talentoso em suas paisagens, tomou de Plínio, o Velho: Ne sutor ultra-crepidam —Não vá o sapateiro além da sandália.

O juiz subjuntivo, é, seguramente, compreendido

Além disso, é fácil estimar exatamente o espírito e o valor de uma nova obra, tratando da alquimia da Tradição, pela simples constatação de que os dois livros de Fulcanelli, assim como os nossos, não são mencionados de maneira alguma em tal obra. Não vamos nos deter sobre a televisão e o rádio, onde, no ambiente do açúcar, assim como no da pimenta, se produzem com saciedade as vozes pálidas, os gritos, o frenesi, os violões e o inglês. Sob o pretexto da cultura, e sob o bastão autoritário de alguns especialistas conceituados e piadistas, muitas vezes se desenvolve a fraseologia mais estridente, a dialética mais desprovida de objeto, onde, ambas, não apontam senão que para a esterilidade abençoada dos cérebros em delírio. Não despenderemos grande tempo apenas sobre as divagações surpreendentes de escritores que chegam a encontrar editores e, consequentemente a publicar informações inconcebíveis a respeito da alquimia secular e de seus mais dignos representantes.

Não é certo, por outro lado, que estes plumistas bastante depreciáveis não sejam, neste caso, os manipuladores de uma verdadeira empresa de demolição. A má vontade e a plano de prejudicar são exercidos muito claramente, para que não duvidemos da intenção. Também não podemos ler todos os textos que veem a luz do dia, livros ou mesmo artigos de jornal, impedidos como estamos, pela nossa constante falta deste bem precioso que é o tempo, e pelo temor de nos entregarmos dolorosamente um amontoado de mentiras irritantes, fábulas inverossímeis e tolices repugnantes. E o fato de um autor não hesitar, recentemente, a intitular um de seus capítulos: Uma história de louco, que…ai!, é evidentemente, uma delas, e no decurso da qual aprendemos que o bobo da corte do rei Felipe deu ao jovem Flamel, quando era estudante, uma resposta, no mínimo bizarra e sacrílega:

Torne-se um clérigo, Nicolas. A cavalaria é um estrume de vaca.

Também gostaríamos de conhecer a referência da fofoca, de onde se tomou a informação de que o pai de Nicolas Flamel se chamava Tomás, e havia sido dono, primeiramente, da lojinha fracassada que ficava na rue des Écrivains, em frente ao muro da igreja de Saint-Jacques-de-la-Boucherie.

Da mesma forma, nos indagamos a respeito de onde ela pode bem ter sido tomada, a menos que tenha sido do cérebro mais nebuloso, toda a fantasmagoria com a qual a existência de Nicolas Flamel é abusivamente tecida neste relato bizarro. Sobre a dobra interna da bainha colorida, o editor faz um anúncio elogioso de que não podemos discernir se é fruto da ignorância ou o produto do humor mais negro, e do qual, em qualquer caso, é o suficiente para que colecionemos, uma ao lado da outra, as frases primeira e última, de modo que o estudante seja informado sobre o ponto: “Eis aqui, sem dúvida, o estudo mais completo e mais sério que foi inspirado pelo personagem enigmático que foi Nicolas Flamel…

… Uma pesquisa fascinante onde a História, a Filosofia e a Ciência, são alternadamente aplicadas para comprimir quase ao máximo um dos maiores mistérios de todos os tempos”.

De nossa parte, a todas essas páginas de imaginação furiosa, não daremos mais do que uma passada que seja suficiente para a estimativa perfeita de todos os outros. É preciso que se saiba, desde o início, que os nomes de Tomás e Nicolas são aqui, os de Flamel pai e de seu filho:

“Apesar de suas preocupações, Tomás tinha confiança na Providência, pois a Numerologia de Nicolas era boa. Isto foi pelo menos o que pretendia Isaac Ben Yocum, o rabino que a elaborou para agradecer a Tomás por certos serviços discretos, sobre os quais o cristão cuidava para não se vangloriar. De acordo com a Cabala, uma criança nascida no dia 7 do terceiro mês de 1330 estava fatalmente consagrada ao 3 e ao 7 (sétimo dia, terceiro mês, 1 + 3 + 3 + 0 = 7). E tanto o 3 e como o 7 contêm todas as correspondências universais acabadas por sua soma, que é a Unidade Sagrada”.

Deixemos também de lado a interpretação absurda, mas observemos, no entanto, que apenas não é possível traçar o Mapa de um homem sobre quem não se sabe pelo menos o ano de nascimento.

Eugene Canseliet 2 - Alquimia Operativa

Teremos ocasião, no decorrer desta obra que começamos, de voltar ao popular alquimista de Paris, tanto sobre a sua pessoa como sobre suas obras; tendo uma estado intimamente misturada com a outra. Ao esperar, temos que ter muito cuidado, fora de nossas imprecações legítimas, com todos os nossos amigos escritores que escapam à maldição do velho Hermes e daqueles a quem fornecem os livros, o público em geral, no que diz respeito à alquimia e seus filósofos, informações justas e sãs.

Sem que sejamos movidos pelo menor senso de presunção detestável, cinquenta anos de estudo e de experiências, baseadas apenas nos clássicos da Ciência, nos dotaram de uma séria bagagem que nos permite falar em nome de todos esses filósofos.

Prática em laboratório


Escrevemos porque somos levados pela dupla necessidade do temporal implacável, que se deve satisfazer, e do apostolado, ainda que seja modesto, que importa exercer. Gostaríamos que fosse bem compreendido de que apenas uma coisa é valiosa para nós, frente à qual nenhuma outra conta; ela reside inteiramente na prática em laboratório, de acordo com o sentido nobre e profundo que o termo implica e que não exclui que devamos garantir o seu desgaste.

Nosso interrogatório incessante da matéria, pelo tradutor do forno, nos facilita a interpretação dos livros, e entre eles, dos clássicos em particular. Estes foram, sem dúvida, escrito por artistas que trabalharam com a ajuda de fogo, qualquer que tenha sido sua fonte. Não há nada melhor para compreendê-los, do que verificar, por meio da experimentação, o seu ensinamento prudente exposto em uma linguagem filosófica.

O nosso dever é, portanto, proporcionar aos alunos a maior quantidade possível de conhecimento. A necessidade não é a de escrevermos um grande volume, mas a de transmitir, até os limites autorizados, a essência de tudo o que aprendemos com os autores que temos examinado, em estreito contato com a entidade filosofal.

O estudo não poderia sofrer qualquer limitação ou restrição, nenhuma penalidade, quanto ao seu resultado, se não for o de Deus, pelo Dom inestimável. São os conhecimentos adquiridos realmente, no curso da vida que vivemos, que resultam a cada etapa, diplomas e certificados.

Eis também porque alguém não deveria se surpreender, muito menos impacientar-se, de que tenhamos dado, na maioria das vezes, as citações latinas retiradas dos numerosos tratados que nunca foram traduzidos para o idioma da França, ou que o foram de forma imperfeita. Isto pela razão, acima de tudo de que, a língua cultural, em seu último período e muito injustamente qualificado como baixo (ínfimo!) pelos puristas, de que a língua culta, dizemos, aparece como de leitura mais agradável e de mais fácil compreensão.

Já declaramos — particularmente em nossa introdução às imagens comentadas do Livro Mudo, Mutus Liber— e o repetimos aqui, que não deixaremos em falta todas as oportunidades de estimular e incentivar o interesse por este latim que se recusa a morrer, e que ainda se opõe à servidão total do pensamento e dos estudos.

Que o jovem neófito o saiba bem, e sobretudo não se desespere com isso; o alquimista está destinado a permanecer por muito tempo como um aluno paciente e tenaz. Que tome o exemplo disto sobre nós mesmos, que cumprimos no mês de agosto, o nosso quinquagésimo ano de trabalho no laboratório. É assim que podemos adiantar, apesar do aparente paradoxo, ou seja, com tanta humildade e orgulho, que somos realmente o aluno mais velho da França. Por acaso não é este o título, talvez o mais humilde e o mais glorioso, que o filósofo pode reivindicar com a serenidade e a honra?

Foi, em todo caso, o que se concedeu ao grande químico Michel-Eugène Chevreul, que foi o modelo perfeito do desinteresse científico, e de quem provem o precioso fundo alquímico da biblioteca do Museu de História Natural de Paris. Ele chegou à idade de cento e três anos, tendo sempre se beneficiado da harmonia fisiológica que o estudo, no ritmo eterno da Natureza, transmite, sem falta, ao experimentador.

Diante do grande e louvável movimento de interesse real, que se desenvolve incessantemente, não duvidamos que o areópago dos Adeptos, o dos irmãos da verdadeira Rosa Cruz ou Orvalho Cozido aprove plenamente a nossa decisão de ensinar de forma mais clara e em maior medida. Nisto, nós nos juntamos a Filaleto, que já formulou, e corajosamente, a mesma tendência, há mais de trezentos anos, no mesmo no início da lamentável Idade do Ferro, que agora chega ao seu fim.

Eugene Canseliet 3 - Alquimia Operativa

É verdade que em sua época o livro não foi tão difundido como hoje e permaneceu como patrimônio de um pequeno número de pessoas. Eis aqui o que escreveu, após ter declarado não ser tão secreto como todos os seus antecessores:

Mas, realmente, eu não atuei da mesma forma nesta coisa, submetendo a minha vontade à bênção divina que, neste último período do mundo, acredito estar a ponto de revelar estes tesouros. É por isso que já não temo mais que a arte se manche ou desapareça. Isso não pode acontecer. Bem, não teria ela mesma a verdadeira sabedoria em honra eterna?

Ego vero non sic egi, hac in re voluntatem meam divino beneplacito resignand, qui hac ultima mundi periodo thesauros hosce reseraturus mihi videtur, quare non amplius timeo, ne vilescat ars, absit. Hoc fieri nequit. Nam vera sapientia seipsam in aeterno tuetur honore.

Certamente, o exemplo tem o seu papel a desempenhar. É por isso que nos parece não ser inútil, como lição viva, para os amantes de qualquer idade, que lhes mostremos o nosso pequeno laboratório de Sarcelles, quando tínhamos vinte e dois anos e exercíamos também as alegrias íntimas e delicadas da aquarela. E é assim que vocês verão, em toda a sua cor, a mais modesta reunião de utensílios, que inspirou a leitura muito confiante de Ireneu Filaleto, em sua Introitus, e a de Cyliani, na prática da sua Hermés dévoilé (Hermes revelado).

Este esboço remonta também aos “anos loucos” do mês de agosto de 1921, este verão que será certamente o mais longo e quente do século. É a memória, a imagem, da bricolagem pela qual respondíamos às demandas de trabalho e pela qual fazíamos frente à fraqueza, tão grande quanto incurável, da nossa tesouraria.

Eugene Canseliet 4 - Alquimia Operativa

Na figura acima, nosso modesto laboratório em que teve lugar a memorável projeção, sob a direção de Fulcanelli e diante de duas testemunhas. Estes foram Gaston Sauvage, um químico da Poulenc, e o excelente pintor Julien Champagne que, já há mais de dez anos, estava a serviço do Mestre. Le Mystere des Cathédrales (O Mistério das Catedrais) em primeiro lugar, e Les Demeures Philosophales (A moradias dos Filósofos), em seguida, respondem agora, e de modo admirável, à necessidade de que a alquimia seja explicada em seus textos clássicos. Não faltam nestes livros citações deste último, vindo a apoiar o ensino teórico e operacional do Adepto atribuído a este século e que foi o nosso mestre. Mais do que a qualquer outro autor, é, sem dúvida a Fulcanelli que poderiam se dirigir hoje em dia, entre os amantes da ciência, palavras de reconhecimento do discípulo Pirófilo ao seu bom mestre Eudoxio. Tudo isso no início da longa discussão que levaram a cabo juntos, após o que tinha ocorrido entre a Pedra Filosofal e o Ouro, unido ao Mercúrio com furor e agressividade. Eis aqui o período exclamativo do discípulo que, com o coração transbordando de alegria e entusiasmo, encontra-se abruptamente diante de seu mestre:

Oh momento feliz, que faz com vos encontre neste lugar! Fazia muito tempo que eu desejava com a maior ansiedade no mundo, poder conversar convosco sobre o progresso que tive na Filosofia, pela leitura dos autores, que me havias aconselhado a ler, para instruir-me sobre os alicerces desta ciência divina, que carrega por excelência o nome de Filosofia.

A resposta que Pirófilo deu a seguir a seu mestre, não é agora senão a que teríamos dado nós ao nosso mestre, com relação ao conhecimento que adquirimos no estudo da ciência sagrada:

Eu vos sou grato por tudo que sei sobre ela, e pelo que espero ainda penetrar nos Mistérios Filosóficos.

O número de autores clássicos da ciência da alquimia, o que quer que se diga, é muito importante, e deles uma proporção não menos notável, está muito longe de ser comumente conhecida. Não consideramos sequer os tratados em latim, que não foram traduzidos e formam um fundo de valor inestimável. A estes, só podem ter acesso aos habituais de Horácio e de Virgílio, de quem se reduz, cada vez mais, a falange heróica, o modo de instrução de nosso tempo, sujeito aos apetites temporários e, consequentemente, a toda demagogia.

Especialmente, temos em mente as poucas dezenas de escritos que formam um núcleo sólido, em torno do qual parece ter-se materializado, a partir do século XVII, o ensinamento por sua vez mais atual e confortável. Foram assim separados, de forma gradual do corpo, entretanto, homogêneo dos livros clássicos, como modo de seleção, os textos anônimos ou assinados que mais ajudam a realização física.

Aproximação entre Cavaleiros Templários e Sarracenos por meio da Alquimia


Desde 1604, Alexander Sethon, também conhecido como Cosmopolita, inaugurou este riquíssimo florescimento de filósofos com os quais iria fundir, de alguma forma modernizada, o ensinamento recebido por eles a partir dos volumes latinos que circularam manuscritos durante a Idade Média. Desta biblioteca antiga, transmitida desde os tempos mais remotos pelos árabes e em sua língua culta, já dissemos que foi traduzido para o latim, não apenas pelas Cruzadas, mas também pelos Cavaleiros Templários.

A alquimia foi certamente uma base sólida sobre a qual Cavaleiros e Sarracenos encontraram motivos para se aproximarem, apreciarem-se e se compreenderem. Esta foi, durante o processo, uma das principais chaves da acusação: a aparente colisão dos Cristãos com os Infiéis.

O famoso bafomet, em seu enigma evasivo e irritante, figurava consequentemente no dossiê das acusações. Desta entidade filosófica, pode-se ver a representação mais segura que ilustra a página de título de Todas as obras do Filósofo anônimo Filaleto—Anónymi Phi1alethae Philosophi Opera omnia (próxima figura, abaixo).

O mercúrio do mercúrio —mercurius de mercurio— está de pé no campo sobre a esfera e tocado com uma coroa que está no topo da símbolo metálico-astrológico que designa tanto o planeta como o elemento mercúrio; tem as asas abertas e os braços estendidos horizontalmente.

Eugene Canseliet 5 - Alquimia Operativa

O significado filosófico aqui é o mesmo que o do estranho anel que tinha Fulcanelli, que ele descreve e que nós o recordamos. Chegou até ele, do padre Abad do mosteiro cisterciense que era próximo, no século XII, dos Cavaleiros Templários de Hennebont, na Bretanha. Não seria problema para nós, elucidar o modo de operação —modus operandi— do trabalho físico, em seus menores detalhes. Isto seria, de fato, uma falta gravíssima, não só no que diz respeito à tradição e disciplina, mas também em relação aos nossos irmãos estudantes em Hermes. No entanto, agiremos de maneira contrária à regra de que adotou a maioria dos autores, a qual consiste em não mencionar a Grande Obra mais do que alterar a ordem das diversas operações. É sobre isto que um filósofo anônimo fez a observação, a intenção de seu discípulo:

O que faz com que não entendas seus escritos, é que eles não queriam obedecer em seus livros uma ordem que servisse de meio para poder compreendê-los; tendo alguns começado seus Tratados pelo final do assunto, outros pelo meio, outros pela projeção, outros pela multiplicação; tratando outro do meio e do final da obra, omitiram expressamente o seu início.

Muito pelo contrário, como já dissemos, a própria sequência de nossos capítulos, em forma de sumário, diz suficientemente o quanto respeitaremos, em seu conjunto, o desenvolvimento contínuo e linear do processo operacional. É grande o interesse disto para o amante, de acordo com Denys Zachaire, que transmitiu a sustentada afirmação de Geber na Soma:

Por isso diz que se ele tivesse colocado em ordem e tudo em sequência, seria conhecido em um dia por todos, talvez em uma hora, tão nobre é admirável que é.

Certamente, com a leitura dos textos, percorreremos obrigatoriamente e de uma extremidade a outra, o caminho estreito e difícil que quis nos mostrar, junto com muitos outros filósofos, o alquimista latino Ioannis Aurelius Augurellus, nos três livros versificados em sua Chrysopoeia. Neologismo composto de dois vocábulos gregos que lhe dão seu significado: χρυσου, Chrysou, genitivo de χρυσοσ, ouro y ποια, poia, fabricação = fabricação de ouro.

No excelente Dicionário de Alexandre, encontramos este outro neologismo χρυσοποιοσ, chrysopoios, fabricante do ouro, alquimista, que tem por raízes o substantivo χρυσοσ, e o verbo ποιεω poieo, fabricar, construir, criar.

É por isso que as edições francesas do tratado de Juan Aurelio Augurelo levam todas o título: A Crisopeya, ou seja (a que ensina) a arte de fazer ouro. Trata-se do ouro metálico e deve-se tomar esta declaração ao pé da letra, como fez o próprio papa Leão X , em resposta à Epístola que Juan Aurelio Augurelo lhe havia enviado em verso latino? Em todo caso, na epístola do Sumo Pontífice, encontrar-se-à a famosa reflexão que foi motivo prazeroso de mexericos e que militariza muito pouco em favor da benevolência e da penetração infalível ordinariamente atribuída ao vigário de Cristo: Si Scit aurum ipsemet conficere, non indiget nisi receptaculo.

Se ele sabe mesmo fabricar ouro, não lhe falta senão que um receptáculo. Pensa-se que Leão X mandou a sua carta acompanhada de um grande saco. Não é certo que tudo isto não seja mais do que uma piada ruim, e continuemos sendo sérios, de volta ao que cantou Augurelo, quanto à porta estreita:

Sic alii, quos experiendo, maxima rerum Visere jam decuit summo quaesita labore, Angustum per iter, recto de tramite nunquam, Qua prius ingressi declinavere, nec ante Desinere optarunt, licuit quam tangere laetis Tandem exoptatum longo post tempore finem. Ao fazer uma experiência de trabalho extremo, assim outros a quem já convém contemplar a procurada e maior das coisas. Por uma passagem estreita jamais se afastarão do caminho certo. Este caminho pelo qual iam antes e optaram por Não abandonar; aos bem-aventurados lhes foi permitido alcançar, finalmente, depois de um longo tempo o que desejavam: o fim.

O poema original, em latim, não precisa nem da elegância nem do encanto, nem especialmente do ensinamento clássico, o que diminui, infelizmente!, a tradução literária e, certamente, a versificação cuidadosa das sílabas e rimas. Obviamente, não é famosa a tradução que Gabriel Joly utilizou e que é a obra de François Habert, traduttore, traditore, como foram todos os maróticos, com relação aos poetas denominados neolatinos sem que vejamos porquê.

O alquimista segue a natureza


A recomendação de seguir a Natureza é unânime, e Michael Maier particularmente a ilustrou de maneira sugestiva, com o quadragésimo segundo emblema de sua coleção, tão justamente intitulada: Atalanta fugiens —Atalanta fugitiva. Acima da imagem, lemos: Para aqueles que se dedicam a coisas químicas, que a Natureza, o Raciocínio, a Experiência e a Leitura, sejam o condutor, o Bastão, os Óculos e a Lâmpada.

Atalanta-Fugiens-Seguir-a-natureza-Alquimia-Operativa

O alquimista deve ter uma percepção aguçada, uma vidência lúcida, de modo a seguir, cegamente, à Senhora Natureza, a única capaz de lhe conduzir até o seu inviolável e secreto santuário.

Apotegma que mostra sem rodeios, que seguir a natureza não é tão simples como se poderia pensar, uma vez que para isto são também necessários, um caniço, óculos de proteção e uma lanterna. Esses objetos são indispensáveis a fim de posicionar com precisão os pés nas pegadas deixadas sobre areia da estrada, no coração da noite, sob a lua minguante. A dificuldade parece, portanto, aumentar à medida que o astro noturno se encontra em declínio, tal como o vemos, na forma de um menisco, com suas pontas para a direita, no céu da composição de Jean-Théodore de Bry. O epigrama latino que destaca a imagem, completa o seu ensinamento:

A natureza é o seu guia, e você, pela arte, é seu seguidor por bom grado. Você se perde, se ela não for sua companhia na estrada. Que o Raciocínio lhe dê a ajuda do Bastão, que a experiência lhe fortaleça os olhos. Para que possa distinguir o que se encontra distante. Que a Leitura seja sua Lâmpada luminosa na escuridão, de modo que, prudente, tenhas cuidado com amontoado de palavras e coisas.

Voltaremos a ver a bela criatura, majestosa e solitária, no inserto XLIV de nosso volume Alchimie (Alquimia), que reproduz o título ricamente ornamentado do Museu hermético—Musaeum hermeticum. Nisto, dois alquimistas, ao invés de apenas um, seguem a Senhora Natureza, contentando-se o segundo, menos instruído e menos sábio, em dar seus passos de acordo com os do primeiro. Por outro lado, ele não tem óculos, nem, por conseguinte, a experiência, e aparece, evidentemente, como o estudante que não confia mais do que outros, nos discursos, sejam falados ou mesmo escritos. Nesta alegoria, o duque Christian de Saxe-Gotha não manteve mais do que o jovem a quem ele substituiu na mão direita, o buquê pelo selo de Salomão desenhado no centro de um espelho circundado por raios curtos. Isto para o verso de uma medalha cunhada com sua efígie e sete cópias, de modo que fosse perpetuada a memória da transmutação que fez com suas próprias mãos, durante o verão de 1693. A Natureza, que sob a forma humana é dada desta vez quatro seios, vai diante dela com os pés descalços, e a cornucópia da abundância, atributo de Ceres, sob o braço esquerdo. Acima dela lemos a epígrafe: DEO ET ME DUCE – Por Deus e por meu Duque. Duke, de acordo com a palavra latina Dux que ela reproduz, deve ser tomada no sentido do condutor, o diretor. Et me Duce, apesar da aparência, não põe entretanto em causa a humildade do príncipe, que também foi filósofo, e jogou cabalisticamente com seu título de nobreza para enfatizar o seu papel de demiurgo, no microcosmo filosofal.

É o que está confirmado, na borda desta peça comemorativa, a invocação que corre em levíssimo relevo: O QUAM MAGNA SUNT OPERA TUA DOMINE, Oh, quão grande são as tuas obras, Senhor!

A verdade é simples e a partir dela, na alquimia, é muito exatamente um lugar comum declarar que se encontra unicamente na Natureza. É impossível acessá-la por mera especulação, como Cosmopolita, após nos dizer ter tratado honestamente da primeira e da segunda questão, conclui, sem rodeios, terminando seu período

…em vista de que fiz isto, não pela leitura de vários livros, mas pelo trabalho de minhas mãos e minha própria experiência —…., siquidem id non é multis libris sed ex mearum manuum labore & propria experientia feci.

Sim, o processo operacional da Obra é natural, e estamos, pode nos acreditar, bem inclinados a afirmá-lo. A dificuldade imensa —o epíteto não é mostrado de nenhuma forma excessivo— que emerge e se instala na realização, é o de restabelecer aí o contato e colaboração, de modo permanente, com o sol, a lua, os planetas e as estrelas. Na verdade, as estrelas não são responsáveis, que continuam doando generosamente à terra, toda a ação fluídica necessária à sua existência.

Não trataremos da causa indiscutível que determinamos o suficiente e cujos efeitos, para a humanidade, não cessarão de aumentar e  ameaçá-la cada vez mais. Para excluí-los com um único golpe, bastaria que desaparecesse a fonte, de acordo com o velho ditado: Sublata causa, tollitur effectus. Suprimida a causa, o efeito desaparece.

Mas agora é universal o gozo que apenas extinguirá, um dia talvez próximo, as consequências tanto sociais como geológicas, que serão tão mais duras e dolorosas, quanto não tenham sido previsto de forma alguma.

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5 Replies to “Considerações preliminares de Eugene Canseliet sobre a Alquimia”

Angelo Siqueira da Cunha

Obrigado por mais um excelente artigo. Somente uma sugestão, seria para aumentar um pouco a fonte do texto para deixar a leitura mais confortável.
Atenciosamente,
Angelo Siqueira

Daniel Fidélis

Olá, Angelo! Obrigado pelo comentário e pela sugestão.

Luciana Ribeiro

Texto que vai ao encontro das coisas que venho aprendendo, por isso quero me aprofundar nos estudos da Alquimia. Grata pela riqueza deste conteúdo!

Glauco

Excelente texto de Canseliet. Seguir a natureza sempre, uma grande lição!

Gleiton Silva::

Uma publicação um tanto inspiradora, enfatiza também a questão, devemos ser determinados e prudentes em nossa jornada.

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