O Esoterismo e o ano de 1875 - Alquimia Operativa

Esoterismo

O Esoterismo e o ano de 1875

Daniél Fidélis ::
Escrito por Daniél Fidélis :: em 07/08/2014
4,5 min de leitura
O Esoterismo e o ano de 1875
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Na história do esoterismo mais moderno, o ano de 1875 tem uma importância extraordinária. Todos os desenvolvimentos importantes e impulsos do esoterismo do século XIX apontavam para esse ano. Ele tornou-se o ponto de partida das correntes esotéricas, que exercem sua influência aprofundando-se pelo século XX. 1875 foi o ano da morte de Eliphas Lévi e, ao mesmo tempo, o ano em que C.G. Jung e Aleister Crowley nasceram, bem como o ano em que Helena Blavatsky fundou sua “sociedade Teosófica”. Cada uma das personalidades aqui mencionadas influenciou profundamente os cem anos seguintes, no que se refere ao esoterismo e de uma forma bem profunda.

eliphas-levi - Alquimia Operativa
Eliphas Lévi

O francês Alphonse-Louis Constant, que posteriormente denominou-se Eliphas Lévi, nasceu em Paris, no ano de 1810. Depois da Era do Iluminismo, no século XVIII, que – ao menos exteriormente – colocou a sensatez e a clareza em primeiro plano, as pessoas voltaram outra vez seu interesse para os aspectos mais fantásticos e quiméricos da vida. Veio a época do romantismo. Literalmente, essa mudança espiritual foi representada na Alemanha por Esnst Amadeus Hoffmann, cujos contos fantástico, mágicos, exerceram posteriormente grande influência sobre Sigmund Freud e C.G. Jung. Na Inglaterra, causava encanto Matthew Gregory Lewis, com seu romance O Monge, fascinando as massas; Mary W. Shelley criou “Frankenstein”, personagem conhecido até os nossos dias. Com seu romance, O Castelo Otranto, Horace Walpole criou o assim chamado romantismo negro. Em tudo imperava um clima espiritualista provocado pelo interesse pela magia e pelo ocultismo.

Eliphas Lévi também foi aquele que, em meados do século XIX, conduziu o estudo do esoterismo, por assim dizer, de um modo científico.

Alphonse-Louis Constant, que nasceu em Paris como filho de um sapateiro, só teria a oportunidade de realizar estudos superiores se se dedicasse ao serviço da Igreja – o que sempre acontecia no caso de a pessoa ser de origem humilde.

Hoje poderíamos indagar se essa foi uma decisão feliz. Por um lado, o jovem Alphonse-Louis alcançou o tão ansiado objetivo: obteve instrução superior, pôde tranquilamente pesquisar o tesouro representado por antigos escritos nas bibliotecas; mas, por outro lado, é impossível não perceber que a ligação com a Igreja delimitou pesadamente o seu desenvolvimento pessoal. Por conseguinte, este conflito deu à sua vida uma nota trágica. O jovem candidato ao sacerdócio não fez os votos perpétuos que lhe garantiriam uma vida sem preocupações financeiras, além do acesso ao cargo às dignidades, por achar o fardo do celibato pesado demais. Eliphas Lévi casou-se com uma de suas alunas. Mas a infelicidade atormentou esse casamento, bem como toda a sua vida. Durante a vida inteira ele se viu, por assim dizer, “entre a cruz e a caldeira”. Não era sacerdote, no entanto denominava-se abade, afirmando sentir-se membro da Igreja Católica. Era casado e, no entanto não conseguia viver verdadeiramente esse casamento. O parisiense Alphonse-Louis Constant, provindo das mais baixas camadas sociais da França, teve de cumprir oito meses de prisão devido a um escrito de cunho social revolucionário. Quando envelheceu, teve de depender das contribuições financeiras de alguns membros da nobreza, que haviam sido seus alunos. Levou uma vida deplorável como desenhista e ilustrador e como professor de ocultismo. Ele queria ser um filósofo, sem no entanto ter de renunciar ao seu raciocínio teológico, ardentemente defendido pela Igreja.

Eliphas Lévi escreveu mais de duzentos livros que tratam dos mais variados assuntos. Suas obras principais são: Dogma e ritual da alta magia, História da maria e A chave dos grandes mistérios. Trata-se de obras que impressionam até hoje tanto os esoteristas como os exoteristas. O ponto principal de seus estudos era a magia, a cabala e o tarô. Eliphas Lévi foi o primeiro a chamar a nossa atenção para a ligação existente entre a cabala e o tarô.

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Suas obras demonstram grande conhecimento esotérico que, seja como for, em vários aspectos (provavelmente em consideração à Igreja), têm de ser lido nas entrelinhas, o que torna essas obras inadequadas para principiantes. Assim sendo, só se lê escritos de Eliphas Lévi com proveito quando já se dispõe de um bom conhecimento esotérico para descobrir o que está mais ou menos escrito em código.

Até onde é do meu conhecimento, nunca foi suficientemente esclarecido de que fontes provêm os grandes conhecimentos que Eliphas Lévi possuía. Parece improvável que os tenha obtido apenas nas salas de leitura das bibliotecas. Isso leva a crer que Eliphas Lévi – tal como depois dele, Helena Blavatsky e os fundadores da “Aurora Dourada” – talvez estivesse mantendo uma ligação misteriosa com os mestres que lhe transmitiram o conhecimento necessário. Às vezes também encontramos a tese de que Eliphas Lévi pertencia a uma ordem secreta cujo o nome até hoje não se conseguiu identificar, e que foi desta maneira que ele entrou em contato com o seu conhecimento. Para não faltar com o voto de silêncio, formulou intencionalmente vários conceitos em seus escritos de forma obscura, para que só pudessem ser identificados pelos iniciados. O conhecimento de que o tarô e a Cabala tinham uma estreita ligação e o teor dessa ligação também deve ter chegado a seu conhecimento dessa forma.

Apesar de sua vida continuar sendo exteriormente pobre e humilde, através de seus livros Eliphas ganhou fama e adeptos que ultrapassaram os limites do seu país.

Na Inglaterra e, no final de sua vida também na Alemanha, seu nome despertou atenção e ele foi convidado a visitar esse país. Em Londres, travou conhecimento com lorde Bulwer-Lytton e, nessa mesma cidade, aconteceu a famosa invocação do espírito de Apolônio de Tiana, a única mágica feita por Lévi em toda a sua vida. Como essa invocação é citada e descrita em quase todos os livros de Lévi, abstenho-me aqui de falar sobre suas particularidades. Eliphas Lévi morreu no ano “mágico” de 1875, satisfeito com o mundo, com a Igreja e consigo mesmo.

Gérard Encausse ou Papus
Gérard Encausse ou Papus

Ele deixou todo um grupo de adeptos na França, os quais de algum modo continuaram seu trabalho esotérico. O mais famoso deles, embora não fosse seu aluno direto, foi Gérard Encausse, conhecido pelo pseudônimo de Papus. Ensausse era médico, e seu pseudônimo designa o gênio da cura. Papus nasceu em 1865, na Espanha, e estudou medicina. Ao mesmo tempo, seu interesse se voltava para o que na sua época se denominava ocultismo. Papus pertencia à geração de pioneiros do século passado, muitos dos quais consideravam que sua missão na vida era ler e decifrar os tesouros esquecidos de literatura esotérica em sombrias bibliotecas, além de torná-los acessíveis à consciência das pessoas do século XIX. Este era um empreendimento por certo nada fácil, numa época em que imperava uma visão científica tão materialista orientada, que só confiava na percepção dos sentidos básicos do homem. O esforço para avaliar o ocultismo de acordo com os critérios da ciência do século XIX, e de torná-lo apropriado aos debates nos salões, caracteriza em muitos sentidos a obra de Papus. É por isso que toda a sua obra, apesar da qualidade que possui, está presa a um determinado período de tempo, o que a torna difícil de ser lida e compreendida numa época em que também algumas disciplinas cientificas ampliaram seus horizontes na direção da transcendêcia.

A personalidade que mais influenciou o renascimento do esoterismo na século XIX, e que estende sua influência até hoje, é sem dúvida Helena Petrovna Blavatsky, também chamada por seus adeptos de H.P.B., as inicias do seu nome. Filha de um russo hierarquicamente bem situado, nasceu em 1831 na Ucrânia. Desde pequena, Helena deu mostras de ter aptidões mediúnicas, precisando submeter-se várias vezes ao processo de exorcismo. Com dezessete anos foi dada em casamento ao general Blavatsky, que ela logo depois abandonou. Vestida de marinheiro, aventurou-se numa viagem à Turquia.

Helena Petrovna Blavatsky - Alquimia Operativa
Helena Petrovna Blavatsky

A partir dessa data, começou a levar uma vida de aventureira, de certa forma extraordinária, semelhante à dos charlatães e esoteristas do século XVIII. Essa vida levou Helena blavatsky a viajar pelo mundo todo. Centros de importância na sua vida foram o Egito, a Índia e a América, e afirmava ter estado também no Tibete. Durante certo tempo trabalhou como amazona num circo e, vestida como homem, foi companheira de lutas de Garibaldi, na Itália. É provável que também tenha encontrado Eliphas Lévi, embora isso não possa ser biograficamente comprovado. Mas, nas suas obras pode-se perceber a forte influência exercida por ele.

Como sua vida espalhafatosa não pôde ser reproduzida com exatidão, elaborou-se a esse respeito um mito especial. Com vinte anos, ela supostamente encontrou pela primeira vez o seu mestre Kut Humi na figura de um príncipe hindu, que lhe disse que ela fora escolhida para ser sua discípula. Ele lhe deu a incumbência de fundar uma sociedade e divulgar o ensinamento esotérico por todo o mundo.

Em 1873, Helena Blavatsky instalou-se por algum tempo nos Estados Unidos. Lá entrou em contato com círculos espíritas e participou ativamente de suas atividades. Isso lhe deu a oportunidade de desenvolver e treinar sua aptidão mediúnica. Na América, ele conheceu também Henry Steel Olcott, que posteriormente veio a seu seu mais fiel e significativo colaborador e com o qual fundou um círculo espírita próprio.

No ano “mágico” de 1875, esse círculo transformou-se numa sociedade esotérica secreta, também denominada “Sociedade Teosófica”. Essa sociedade tinha como objetivo dedicar-se ao estabelecimento das verdades e aí que todas as religiões do mundo tinham em comum; além disso, objetivava pesquisar as forças ocultas, secretas e mágicas das pessoas tornando-as úteis, além de investigar todas as leis da natureza ainda não descobertas. O objetivo era criar dessa maneira uma nova religião mundial, que fosse completamente fundamentada no conhecimento primordial oculto da humanidade e que harmonizasse seus ensinamentos com as forças já descobertas e as forças ainda por descobrir da natureza.

Em 1877, Helena Blavatsky publicou a primeira de suas principais obras: Ísis sem véu. Nela afirma que sempre existiu um conhecimento secreto, que é o cerne comum a todas as grandes religiões mundiais e que forma o mais importante sistema filosófico. Depois da publicação desse livro, Helena voltou-se cada vez mais para o pensamento oriental, sobretudo o hindu. Em 1878, numa de suas viagens por Londres, depois de ter fundada a Sociedade Teosófica, viajou juntamente com Olcott para a Índia. Lá ela procurou contatar os intelectuais hindus, obtendo sucesso: consequentemente, a sede da Sociedade Teosófica foi transferida para a Índia, exatamente em Adyar, na parte sul da cidade de Madras, onde a sociedade comprou um terreno e até hoje se encontra a sua sede principal, a Adyar-Teosofia. Na Índia, Helena Blavtsky renovou o contato com o seu “mestre”, que a ajudou a estabelecer o rumo posterior que a sua missão de vida teria de tomar.

Sociedade Teosófica

Aqui talvez seja oportuno falar algo sobre o conceito de “Mestre”, que sempre torna a aparecer no esoterismo. Uma das convicções fundamentais do pensamento esotérico é o aprendizado da evolução. Ela afirma que todo homem e, analogamente, todo animal, toda planta, toda pedra, toda criatura possui lugar bem determinado numa cadeia de desenvolvimento hierárquico. Consequentemente, cada vida começa numa etapa muito primitiva; por exemplo, uma vida inicia-se se no reino mineral, como pedra, para então, aos poucos, no decurso de milênios, continuar a se desenvolver, transformando-se em planta, percorrendo o reino animal e chegando ao reino humano, até agora a etapa mais elevada da evolução nesta esfera terrena, material.

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Mas, mesmo no reino humano a evolução está longe de ter terminado, pois através de várias reencarnações cada pessoa volta, depois de certo tempo e após cada morte, à Terra e se encarna numa nova personalidade. Todo esse desenvolvimento deve ser entendido como um processo evolutivo de aprendizagem. O homem tem a tarefa de crescer um pouco mais em cada encarnação, de aprimorar as aptidões que trouxe consigo e de ampliá-las para, deste modo, alcançar uma etapa cada vez mais elevada de consciência. Então chega o momento em que o homem nada mais tem para aprender neste plano material-terreno, podendo fazer a passagem para o plano seguinte: o transcendental, onde esse processo de aprendizagem será continuado. Segundo a tradição esotérica, existem sempre pessoas superdesenvolvidas que, por amor à humanidade, renunciam a própria sequencia de desenvolvimento, permanecendo na nossa esfera a fim e ajudar a humanidade a progredir em sua evolução. Por esse motivo, são chamadas de “Mestres”. Seu alto grau de consciência faz com que dominem completamente as leis do plano material, que podem usar. Via de regra, não estão mais restritas a um corpo material, embora se sirvam de um, a fim de poder entrar em contato direto com as pessoas. Muitas vezes, sua vida transcorre numa região de difícil acesso, como por exemplo, no mundo montanhoso dos Himalaias. Os “mestres” sempre restabelecem contato com as pessoas que acreditam estar prontas para receber a transmissão do seu conhecimento esotérico, e que possam ajudar no desenvolvimento posterior da humanidade. Eles dão a essas pessoas a tarefa de transmitir esse ensinamento de forma apropriada entre os homens.

Cada “mestre” tem seu reino determinado, portanto, a sua especialidade, e o apresenta à humanidade através de uma vibração energética denominada raio.

Os teosofistas conhecem sete raios, cada um regido por um “mestre”. O primeiro raio é o da vontade e do poder; o segundo é o raio do amor à sabedoria (filosofia); o terceiro é o raio da atividade e da adaptação; o quarto raio rege a harmonia, a beleza e a unidade; o quinto é o raio do conhecimento concreto ou da ciência; o sexto raio é a vibração do idealismo ou da dedicação abstratos; e o sétimo, o da magia cerimonial ou da lei, o raio do ritual.

Além disso, costuma-se supor que, por trás de movimentos esotéricos, como os dos templários, os dos rosa-cruzes e, no caso, também da Sociedade Teosófica, bem como por trás de certas ordens e lojas, existem esses “mestres” que, desse modo procuram influenciar o destino da humanidade no sentido positivo. Como os “mestres” consideram a liberdade de decisão dos homens a sua lei máxima, sua influência direta é limitada. Eles podem apenas elaborar as possibilidades e as condições, mas não podem se intrometer no destino global da humanidade ou de cada indivíduo isoladamente. É por isso que sempre encontramos nas pegadas dos “mestres” um início repleto de esperança, mas também grandes dificuldades, como no caso dos templários, dos rosa-cruzes, da ordem da “Aurora Dourada” e, por último, também da Sociedade Teosófica. Alguns esoteristas do passado eram vistos como personificações ou representantes do Mestre. Assim, o misterioso conde de Saint-Germain foi visto como encarnação ou representante do mestre do sétimo raio, devido a sua ação ter-se desenrolado sobretudo no seio das ordens esotéricas e ter-se desenvolvido nos círculos secretos da magia.

Kut Humi - Alquimia Operativa
Kut Humi

Helena Blavatsky afirmava estar em contato com esses “mestres” e receber deles a transmissão do conhecimento esotérico secreto a fim de transmiti-lo à humanidade. Portanto, ela cultivava esse contato com o mestre Kut Humi, cujo lar ficava no oeste do Himalaia, e com Djwal Khul, também um mestre do segundo raio, a quem deve a maior parte do conteúdo de sua obra posterior, A doutrina secreta. As instruções dos “mestres” chegavam a Helena Blavatsky por correspondência. Testemunhas oculares em Adyar afirmaram que muitas vezes essas “missivas dos mestres” se materializavam do nada e apareciam voando de repente pelo quarto, ou então eram encontrados como que por magia em determinado armário que antes estava vazio. Algumas dessas cartas, que foram guardadas no Museu Britânico, mostram a indefectível caligrafia de Helena Blavatsky e, quando se encontrou uma abertura secreta para a introdução das cartas no referido armário, a senhora Blavatsky conseguiu fugir do escândalo viajando às pressas para a Índia.

Será que com isso se desmascarou Helena Blavatsky como mentirosa embusteira? Não é tão fácil responder a essa pergunta. Por mais aborrecidos e deprimentes que esses truques possam ser, todavia não se pode deixar de reconhecer que as obras de Helena Blavatsky continham informações que, para aquela época, eram de fato novas e cuja fonte ou origem ainda não foram encontradas até hoje. Além do mais, se considerarmos que ela era uma médium das mais sensíveis, é mais do que provável que ela tivesse a capacidade intuitiva de falar com os “mestres”, caso estes existissem. Acreditar que se pode entrar em contato com os “mestres” e transmitir as informações deles recebidas de uma forma julgada correta aos seus adeptos é uma questão de fé pessoal.

No esoterismo, tem-se repetido a tentação de trabalhar com truques, acompanhados de “fenômenos ocultos”, a fim de chamar a atenção dos ouvintes, pois somente dessa maneira – é o que se afrma nos círculos esotéricos – é possível chamar a atenção constante das pessoas para o esoterismo, cujo conteúdo dificilmente poderia ter sido difundido sem a ajuda desses espetaculares fenômenos parapsicológicos. Quando se está convencido da veracidade das informações recebidas, acredita-se ser lícito usar certos truques e artes a serviço da sua divulgação. Corriger La fortune: é como se chama isso no clubes de jogatina.

Aqui sou especialmente cético e reservado pois, segundo minha opinião, o verdadeiro conhecimento esotérico, em ultima análise, sempre será transmitido sem truques e sem parapsicologia. Vamos nos defrontar com o mesmo fenômeno na história da fundação da Ordem da Aurora Dourada. Um teósofo alemão, espiritualmente elevado, Franz Hartmann, que tinha amizade pessoal direta com Helena Blavatsky, disse a respeito desses acontecimentos: “Se a senhora Blavatsky tivesse ocultado a existência dos “mestres” e não tivesse demonstrado nenhum fenômeno de ocultismo, talvez muita infelicidade teria sido poupada à Sociedade Teosófica; mas também se passaria meio século antes que suas obras fossem acolhidas pelo grande público. Nesse caso, o espírito da Teosofia desapareceria e os ‘mestres’ teriam se afastado.”

Depois disso, Helena Blavatsky, já doente, escreveu sua segunda obra de importância: A doutrina secreta. Essa doutrina secreta pertence às mais fundamentais vertentes do esoterismo, embora por outro lado seja a obra de mais difícil compreensão. A tabula smaragdina de Hermes Trismegisto, e A doutrina secreta de Helena Blavatsky podem ser consideradas como as duas colunas que suportam a doutrina do esoterismo ocidental. Isso significa que todo o pensamento esotérico ocidental pode ser, direta ou indiretamente, atribuído a essas duas obras. A forma exterior de que se reveste a A doutrina secreta é um comentário do “livro de Dzyan” que, em sete estrofes, narra a verdadeira evolução cósmica dos homens. Segundo suas afirmações a senhora Blavatsky foi a única pessoa que viu esse livro, pertencente a uma biblioteca construída nos penhascos do Tibete, onde moravam naquela ocasião os dois “mestres” que a orientavam. A doutrina secreta é extremamente difícil de compreender e é escrita de forma muito complicada, fato que pode afastar a maioria dos seus leitores da continuação dos estudos esotéricos. É por isso que darei aqui um resumo muito breve e grosseiro do seu conteúdo principal.

A Lei Básica

Tudo é um. O divino e o humano não são diferenciáveis na sua essência, mas manifestações de um mesmo principio em esferas diferentes. Da mesma forma, o bem e o mal não são verdades eternas.

Quatro Pensamentos Básicos

1-    A unidade de tudo é o ser, isto é, tudo é. Este ser tem dois aspectos: o positivo e o negativo. O positivo é a consciência, o negativo, a substância.

2-    Não existe matéria morta. Todo o cosmos está vivo.

3-    O homem é um microcosmo; ou seja, ele contém em si tudo o que está contido no grande cosmo.

4-    É válida a lei de Hermes Trismegisto: Em cima como embaixo.

Três teses Básicas

1-    Existe algo absoluto, a realidade única, que é tanto o ser absoluto como o não-ser.

2-    A eternidade do cosmos se manifesta ciclicamente. Inúmeros universos vêm e vão como a enchente e a vazante das marés como a alternância entre o dia e a noite, como a vida e a morte, como o despertar e o dormir.

3-    No cosmos, cada unidade essencial (alma) traz em si uma centelha do absoluto, a “alma transcendental”.

Seis Pontos

1-    O ensinamento secreto (aquilo que neste livro é designado como esoterismo) é a reunião da sabedoria de todos os tempos, a sabedoria primordial acumulada por toda a humanidade, tal como foi vista desde a eternidade.

2-    Tudo provém de uma causa primordial básica, de um ponto central, com o qual está em relacionamento e com o qual permanece unido.

3-    O cosmos é a manifestação periódica cíclica de um ser desconhecido, absoluto, que pode ser chamado de ELE.

4-    O cosmos com tudo o que ele contém, chama-se Maya (ilusão), porque cada forma nele disponível, se comparada com o absoluto, é efêmera e se modifica constantemente.

5-    Tudo no cosmos tem consciência, de modo específico e dentro de seu limite de percepção

6-    O cosmos se move de dentro para fora e é dirigido dessa mesma maneira. Cada ação exterior é provocada por motivações interiores.

Cinco Fatos

1-    Não existe nenhum Deus que possa ser captado na forma de uma imagem humana, por exemplo.

2-    Existe uma energia primordial, denominada Logos, que deve ser contemplada como o criador do cosmos. Esse logos se assemelha a um arquiteto, criador de uma estrutura, realizada pelos outros, pelos obreiros (as forças que atuam no cosmos).

3-    As forças que atuam no cosmos são polares: a) energia inconsciente, que reside na matéria b) a alma ou a consciência cósmica, através da qual essa energia é dirigida (comparar com Pã-Hermes)

4-    A matéria é eterna como portadora de vida. Portanto, não existe nada na natureza que não tenha vida.

5-    O cosmos foi criado segundo a eternidade (comparável ao Ain Soph dos cabalistas)

Em 1891, três anos depois da publicação de A doutrina secreta, Helena Blavatsky morreu. Ela foi uma das maiores e mais destacadas personalidades da história do esoterismo, cuja influência espiritual (apesar da queda da Sociedade Teosófica por ela fundada) ainda é significativa atualmente, e talvez não tenha ainda atingido o seu ponto máximo.

Mas, como acontece com muitos iniciados, também havia muita coisa repelente e desagradável nela, o que mais prejudicava do que ajudava as ideias que defendia. Colin Wilson disse em seu livro O ocultismo, ao se referir a Blavatsky, que ela teria sido uma reencarnação de Cagliostro. “Ela tinha o mesmo carisma, a mesma vontade de viver aventuras e a mesma mescla de humor, a mesma jovialidade e genuína aptidão extrassensorial.”

Depois da morte de Helena Blavatsky, a sociedade Teosófica continuou a ser dirigida pelo seu colaborador Olcott, que se tornou seu presidente. Depois que ele morreu, em 1907, ela foi dirigida por outra grande personalidade feminina: Annie Besant.

Annie Besant - Alquimia Operativa
Annie Besant

Annie Besant nasceu em 1847. Sua vida destacou-se como a de Helena Blavatsky, por uma grande inquietação interior que sempre a fazia oscilar entre extremos. Já no início da juventude, ocupava-se intensamente de questões religiosas e casou-se aos dezenove anos com o pastor anglicano Frank Besant, visando levar uma vida de esposa de pastor. O casamento foi infeliz e, em 1873, eles se separam.

Annie Besant passou em seguida por uma transformação radical; tornou-se ateia e livre-pensadora e engajou-se na política da esquerda radical. Por seu engajamento em favor do controle da natalidade, foi condenada em juízo. Nos círculos da esquerda radical, com os quais convivia na ocasião, conheceu Bernard Shaw, o dramaturgo do qual se tornou amante.

Em 1889, ela recebeu a incumbência de criticar A doutrina secreta de Helena Blavatsky para um jornal e, para fazê-lo, procurou a amizade da autora. A personalidade carismática de Helena Blavatsky logo atraiu, deixando-a encantada: outra vez ela mudou radicalmente de posição e entrou para a Sociedade Teosófica. O fato de o seu relacionamento com Bernard Shaw (quase dez anos mais jovem que ela) ter terminado um pouco antes, o que a afetou muito, também deve ter representado um papel nessa mudança.

Depois da morte de Helena Blavatsky, Annie Besant, junto com seu secretário, um ex-pastor anglicano, C.W. Leadbeater, passou a ter grande influencia. Como Helena Blavatsky se dedicasse sobretudo ao cabedal de conhecimento budistas, Annie Besant voltou-se com com afinco para o hinduísmo e para a filosofia hindu. Isso teve consequência posteriormente de grande repercussão para a Sociedade Teosófica. Assim, a teosofia, que originalmente teria sido uma síntese de alcance mundial entre o cabedal de pensamentos do Ocidente e do Oriente, como Helena Blavatsky desejava, passou a ser cada vez mais impregnada pelos ensinamentos hindus, em detrimento dos pensamentos ocidentais.

O verdadeiro cisma, a divisão de uma parte do movimento aconteceu quando Annie Besant adotou um menino hindu de treze anos e lhe deu o nome de Krishnamurti, esclarecendo que se tratava de um Cristo renascido e da salvação do mundo. A consequência direta disso foi o afastamento de Rudolf Steiner, até então secretário geral da Sociedade Teosófica Alemã na Central de Adyar. Ele fundou um movimento próprio, em oposição consciente à Teosofia, que ela denominou Antroposofia. Krishnamurti foi preparado e instruído por Annie Besant e, sobretudo, por Leadbeater para assumir o papel como salvador do mundo. Mas quando krishnamurti amadureceu, ao tornar-se adulto, com grande visão autocrítica, recusou-se a representar o papel que Annie Besant e Leadbeater lhe queriam atribuir.

Depois da morte de Annie Besant em 1933, a influência da Sociedade Teosófica como organização decresceu, mas o cabedal de conhecimentos teosóficos ocupa até hoje um lugar de destaque no esoterismo.

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10 Replies to “O Esoterismo e o ano de 1875”

Maurício de Lara Galvão

Os personagens apontados são os que mais me chamaram atenção ao longo da vida, principalmente Eliphas Levi, com o qual muito me identifico. Creio que todos eram médiuns ou canais capazes de estabelecer conexão com seres e planos superiores. Uma vez que ocultistas e espíritas aparentemente não se davam, creio que seria impossível para Levi ou mesmo Blavatsky assumirem a verdadeira natureza de suas apreciações, também dada pela natureza sensível e mediúnica que possuíam. Acho natural não serem compreendidos por mostrarem facetas da personalidade conflitantes ou mesmo por vezes estranhas e desagradáveis. Eram humanos, extremamente sensíveis, e além de lutarem contra o próprio ego e suas disposições, tinham ainda a missão de ajudar os demais nessa tarefa. Não existe história de vida escrita em linha reta.

Maurício de Lara Galvão

Ah, sim. Já ia me esquecendo. Estou muito grato por esta síntese. Muito bem escrita, com informações e resumo valioso, principalmente no que se refere à Doutrina Secreta. Seria interessante lançar as mesmas luzes sobre Crowley. Ele é um personagem e tanto, suas obras e posicionamento também me parecem controversos, mas longe de serem desprezíveis.

Irmão Kohen

Obrigado pelo prestígio, Maurício. Temos em mente um texto sobre Crowley. Continue acompanhando o blog.

Alfredo Roberto Netto

Gostaria de poder imprimir este e outros artigos e tê-los em meus arquivos… É possível?

Irmão Kohen

Estimado Ir:: Alfredo, é possível. Imprima ou salve em PDF direto pelo menu do seu navegador.

Ligia Nice Marrara

Sr. Daniel,
É com grande alegria na Alma que, finalmente , encontrei esse “ninho abençoado” da Alquimia! Eu amo a sabedoria dos Mestres Alquimistas! Sinto uma amorosa afinidade com Levi e Jung, e mais recentemente com Jacob Boehme que triangula , junto a esses dois mencionados, uma mensagem acalentadora para o espírito e para a alma!!!
Agradeço ao Senhor por esta oportunidade valiosa de retomar minha “jornada alquimica”!
Cordialmente,
Lígia.

German

Sim, mas tudo é muito complexo mesmo.
Lembremos das formas-pensamento, a elas está afeto o Alquimista.

Saulo

Muito bom. Bastante informador e explicativo.
Gostei bastante!

Celino Barbara

Excelente

A Alquimia e o Século XVIII - Alquimia Operativa

[…] O Esoterismo e o ano de 1875 […]

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