O que choca lendo vários textos de alquimistas cristãos, é bem uma piedade, uma devoção exprimindo-se com uma sinceridade sem par. Os adeptos cristãos não deixam, isto é significativo, de fazer um paralelo operativo entre a Pedra Filosofal e Cristo. Eis a belíssima invocação que se encontra na Alegoria da Santa Trindade e da Pedra Filosofal de Basile Valentin:
Os adeptos não deixaram de dar uma dimensão alquímica à famosa fórmula evangélica: Eu farei minha Igreja sobre esta pedra; não perderam a ocasião de fazer um paralelo entre Cristo e o agente que – segundo eles – permite operar as transmutações. Encontramos belíssimos testemunhos desta visão cristã das operações da Grande Obra em autores como o médico alquimista inglês Robert Fludd. Em seu Summum Bonum, ele exclamava:
Lutero, se bem que não tivesse ele mesmo praticado a alquimia, admirava-a. Por que? Porque a descrição precisa das fases que conduziam a matéria primitiva à transmutação metálica, revelava-se tão maravilhosamente apta a descrever o processo espiritual da morte e da ressurreição e descrever o grande mistério cristão da ressurreição dos mortos no fim do ciclo terrestre. Lutero dizia também apreciar a alquimia pelo motivo, para citar suas próprias palavras, “das magníficas comparações que ela nos oferece com a ressurreição dos mortos no dia do Julgamento Final.
Os alquimistas cristãos não hesitavam aliás em considerar a ressurreição prometida aos eleitos como uma verdadeira transmutação de todo ser humano (corpo e alma). É deste modo que tentaram interpretar este famoso versículo do Apocalipse:
Incontestavelmente, a alquimia tradicional apresenta-se sob o seu aspecto de “oratório” – como uma ascese destinada a buscar a iluminação libertadora. A iluminação atingida pelo adepto acha-se descrita em uma série de textos, ao mesmo tempo belos e precisos. Do Tratado da Razão atribuído à Raymond Lulle, citaremos esta definição da Eternidade vivida pela consciência do adepto:
Valerá também a pena dar esta bela passagem do livro dedicado ao rei Luís XIII por P. de Mouilhet:
Adquirir iluminação, significa para o alquimista escapar psiquicamente à inflexível dominação da alma pela matéria, achar uma saída do labirinto que encerra as aparências sensíveis. Um texto característico sobre este assunto foi tirado de um manuscrito alquímico grego conservado no Evangelho de Marcos, em Veneza. Aí se encontra esta comparação (corrente entre os gnósticos) entre a existência humana habitual e um labirinto:
…Ouviste falar, estrangeiro, de um labirinto
Que Salomão dispôs em seu espírito
E que ele fez construir com pedras agrupadas circularmente?
Este plano representa a disposição.
A forma e a estrutura por linhas fixas segundo a ordem lógica.
Vendo esta miríade de espirais do interior ao exterior, suas curvas esféricas
Que tornam a voltar em círculos, para cá e para lá, sobre elas mesmas
Aprende o curso cíclico da vida
Ao te serem manifestadas as curvas escorregadias de seus caminhos tortuosos
Por suas evoluções esféricas, circulares,
Eles enrolam-se sutilmente em espirais compostas;
Como a serpente perniciosa, em suas ondulações, rasteja claramente ou em segredo
Há uma porta oblíqua e de difícil acesso.
Por mais que corras de fora querendo te soltar
Mas ela própria, por suas voltas sutis enfia-se no interior
Para a profundeza da saída.
Ela te seduz com seus meandros cada dia.
Ela te engana pela volta da esperança
Como um sonho enganador de visões vãs
Até que o tempo que conduz as cenas tenha fugido
E que o traspasso ai de ti! que conduz na sombra
Tenha te recebido sem te permitir atingir a saída.
Este texto toma sua ressonância efetiva se nos lembrarmos que os alquimistas alexandrinos, como todos os gnósticos, acreditavam na infernal repetição de vidas humanas em corpos físicos – de outro modo, para usar um termo tornado corrente no Ocidente, na atual época, nas sempiternais “reencarnações” da alma. Antes de poder se elevar à libertação espiritual o homem se acha sujeito aos duros renascimentos corporais.
Um adepto do século XX, Kamala-Jnana, recorda muito bem esta necessidade, em seu Dicionário de filosofia alquímica:
Esta é a nossa missão.
Serge Hutin
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