Para diversos povos, a floresta constituía um verdadeiro santuário em estado natural. Retiros costumavam serem feitos no interior dos bosques.
Nas florestas, as bruxas e os iniciados de uma forma geral encontram repouso.
Os alquimistas, os “Filhos de Hermes”, muitas vezes comparam sua matéria de trabalho a uma floresta profunda e obscura, onde residem todos os perigos e todas as maravilhas do desconhecido.
Entrar nessa floresta é “abrir” a matéria e penetrar em seus mistérios, dos quais o primeiro é o mercúrio dos filósofos.
“Encontraremos na Floresta um ninho, onde o Pássaro de Hermes abriga seus filhotes”, escreveu Lambsprinck.
Parece que foi justamente um dos similares desse animal volátil a ave encontrada pelo herói de uma curiosa história que se contava, com algumas variações, em várias regiões da França.
Eis o resumo dessa história, muito contada na região do Convento de Chaumont (Puy-de-Dôme):
“Um religioso chamado Anselmo, que sai para meditar em um bosque localizado nas vizinhanças de seu mosteiro, fica maravilhado com a beleza de um pássaro, cujo canto lhe inspira enorme prazer. Tenta apanhá-lo, sem sucesso, e ao correr atrás dele a cada vez que levanta voo, vai-se embrenhando pouco a pouco, no arvoredo.
“Depois de percorrer, desse modo, um bom caminho durante algumas horas, calcula que já é tempo de voltar para casa. Porém, para seu grande espanto, ao se juntar a seus irmãos na comunidade, não reconhece ninguém e nem os locais, que, no entanto, lhe eram tão familiares.
“Os habitantes também parecem não saber quem ele é. Entretanto, o velho diretor da comunidade acaba por se lembrar de que ouvira os antigos contarem a respeito de um monge, de nome Anselmo, que saíra do convento em uma bela manhã e nunca mais voltara. Mas essa aventura, diz ele, acontecera havia dois séculos.
“O bispo Guillaume de Paris, que fez construir a Catedral de Notre-Dame, já contava, em um de seus sermões, no final do século XII, uma lenda em tudo semelhante a essa. O volátil, no caso, era um anjo a quem Deus dera a forma de um pássaro, e a história terminava com uma meditação do monge, acerca de como o tempo deve parecer curto aos hóspedes do Paraíso.”
Nesse relato, dois temas devem reter nossa atenção: a corrida para capturar o pássaro em fuga e a noção de um tempo diferente daquele que transcorre na vida cotidiana.
Querer apanhar o pássaro é, literalmente, esforçar-se por fixar o volátil, isto é, realizar a operação que os mestres recomendam com insistência, de acordo com seu célebre conselho: “fac fixum volatile”, que pode ser entendido como “faça fixo o volátil”, como também “faça volátil o fixo”.
De fato, eles dizem que não se poderia fixar um sem volatilizar o outro, isto é, “corporificar o espírito” sem “espiritualizar o corpo”. Essa operação recebeu o nome de “conversão dos elementos”.
Essa operação inaugura a segunda obra alquímica e é feita no fim da “sublimação”, que comporta uma longa série de manipulações a que Filaleto dá o nome de “águias” e a que Eugène Canseliet consagrou o capítulo X de sua obra A alquimia explicada sobre seus textos clássicos.
Quanto a Filaleto, ele insiste sobre a necessidade de “fazer voar” a Águia:
“Quando brilhar a lua cheia, dá asas à Águia, que voará, deixando atrás de si as pombas de Diana, que, se não forem mortas na primeira operação, não poderão servir para nada. Reitera sete vezes essa operação, e enfim acharás o repouso, nada mais tendo a fazer, exceto cozer; é a mais perfeita tranquilidade, uma brincadeira de criança”.
O objetivo dessa “conversão” (também chamada de conjunção) é a aquisição do “mercúrio filosófico”, do “mercúrio duplo” ou “mercúrio segundo”, a partir do primeiro mercúrio, geralmente chamado “mercúrio comum”.
É esse segundo mercúrio, também conhecido como Rebis, a coisa dupla, que é a verdadeira matéria-prima da pedra filosofal (segundo os textos alquímicos), assim como o “sujeito dos sábios” é a matéria-prima do mercúrio comum, que também leva os nomes de “dissolvente universal” e de “servidor”.
O belo pássaro canoro da lenda não é, evidentemente, uma águia. Mas o irmão Anselmo, lançando-se em sua perseguição, não deixou de o fazer voar, ao querer agarrá-lo. Esse servidor de Deus abandona assim a fixidez de seu estado monástico para correr atrás do volátil que ele deseja fixar, e com que se sente finalmente unido no êxtase musical, no coração da floresta.
A partir desse instante, os acontecimentos não se desenrolam mais em um espaço nem em um tempo cotidiano, mas no espaço sagrado e no tempo sagrado, onde se acham situados todos os nascimentos e todas as origens: a alusão ao “Paraíso”, na versão de Maurice de Sully, é bastante clara a esse respeito.
Também o é a operação do mercúrio filosófico. Fulcanelli nos confia que essa operação necessita do conhecimento do segredo dos segredos: “secretum secretorum que não foi revelado e que provavelmente jamais o será”, de um “artifício desconhecido” que “marca a encruzilhada onde o conhecimento alquímico se afasta da ciência química”.
Aquele que deseja passar dos trabalhos da “primeira obra” para os da “segunda obra” deve atravessar essa cortina de fogo, em tudo semelhante à porta de um templo até onde se estende o átrio e atrás da qual tem início o domínio ritual da prática sagrada.
Deste lado da porta, o tempo é fuga perpétua de um presente inapreensível entre aquilo que não existe mais e aquilo que só passará a existir para, em seguida, desaparecer. Além da porta está o ritmo e a harmonia entre o “céu” e a “terra”.
Se o tempo linear do “mundo profano” é o grande dissolvente universal que, sem cessar, destrói o que produz, assim como Saturno devorava seus filhos, o ritmo sagrado de um ritual tem por função juntar “o que está embaixo” e “o que está no alto”, para que sejam feitos “os milagres de um só coisa”.
No entanto, estaríamos completamente errados se pensássemos que os Adeptos, ao utilizar o termo dissolvente, quisessem designar apenas o tempo, por cuja virtude todas as coisas recaem no estado de indeterminação que precede cada ciclo novo.
Esse primeiro mercúrio ou mercúrio comum é o resultado da primeira obra, assim como o mercúrio filosófico será o da segunda. Os mestres dizem que ele é o fruto do trabalho da natureza, ao passo que o Rebis deve sua existência às operações da arte.
Talvez o mercúrio comum tenha alguma relação simbólica com essa planta que os habitantes de Saint-Denoual (Côrtes-du-Nord) acreditavam que se podia encontrar no oco dos velhos carvalhos dos bosques.
Sébillot conta que “aquele que comesse dessa planta, segurando na mão um ramo de visgo e outro de verbena, ganharia a faculdade de se tornar invisível e de se transportar à vontade de um lugar para outro”.
O primeiro mercúrio é, de fato, o agente de todas as transformações da matéria no curso da Obra. Ele é capaz de realizar espantosos prodígios e de mudar o aspecto e a consistência das coisas, como o fazia antigamente, o som de uma lira que se podia ouvir depois do crepúsculo no bosque de Citera, perto de Épinal: aquele que não tivesse a prudência de fugir tapando os ouvidos, e se deixasse atrair pelos acordes mágicos, veria o musgo da floresta cobrir-se de diamantes, enquanto mulheres nuas, de grande beleza, saíam das árvores de folhas de prata e de ouro.
O encantamento durava toda a noite, mas aos primeiros raios do dia, se dissipava, e aquele que o tivesse vivenciado, veria, ao voltar a si, que estava sozinho bem no centro de um charco.
Poetas como Bertrand, mais sensíveis aos mistérios da floresta, nos deixaram inúmeros versos:
Menos aberta que a montanha, menos fluida que o mar, menos sutil do que o ar, menos árida do que o deserto, menos escura do que a caverna, porém cerrada, enraizada, silenciosa, verdejante, umbrosa, nua e múltipla, secreta, a floresta de carvalhos, nos grandes abismos rochosos, é céltica e quase druídica, a de pinheiros, sobre os declives arenosos, evoca a proximidade de um oceano ou origens marítimas; e, no entanto, é sempre a mesma floresta.
Bertrand d’Astorg, 1963.
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Sensacional, avassalador e inspirador… obrigado por nos trazer tanto conhecimento e deleite.